domingo, 28 de agosto de 2011

Fluoretação de águas: Tem gente contra, tem gente a favor. E você? Leia os dois textos a seguir


Os riscos da água fluoretada


Por raquel_
Do Sul21
27/08/2011 - 16:14 | Cláudia Rodrigues | Porto Alegre
Água fluoretada, uma herança nazistaEm setembro de 2003, e lá se vão oito anos, uma petição internacional assinada por mais de 300 cientistas, químicos, técnicos e ambientalistas de 37 países, pediu a revisão, esclarecimento e discussão sobre os benefícios e malefícios da adição à água encanada do flúor, íon utilizado como preventivo de cáries. Atendendo à petição, foram apresentados vários estudos comprovando os riscos para a saúde geral do corpo, especialmente dos ossos, devido à ingestão desse potente agente químico que quando ultrapassa apenas 1 ppm já causa problema até nos dentes.

De lá para cá, muitas pesquisas vêm atestando ligações entre ingestão de flúor e doenças da modernidade. Autistas, por exemplo, não devem beber água fluoretada. Embora não haja confirmação de associação direta entre o flúor e a disfunção, sabe-se que ele potencializa os sintomas do autismo
O problema da adição de uma droga, venenosa ou não, na água de todas as pessoas, é uma questão delicada. Até que ponto as autoridades têm o direito de institucionalizar um tratamento medicamentoso na água para todos os cidadãos de todas as idades? Sabendo-se da ligação entre tal produto e desencadeamento de patologias, como e por quais razões se mantêm a mesma diretriz? 
A retirada, diante das evidências, bate na trave econômica e política. Subproduto da indústria do alumínio, o íon, que mata um corpo adulto com apenas cinco gramas, não pode ser simplesmente jogado na natureza. 
A confiança inicial de que em doses ínfimas espalhadas pelas águas e alimentos no mundo, só faria bem aos dentes, evitando cáries, fez com que as políticas se consolidassem nesse gigantesco contrato comercial mundial, agora difícil de ser desfeito, especialmente em países em desenvolvimento que têm de um lado a população ignorante que aceita as decisões públicas e privadas sem questionamentos e de outro os concentradores de renda, que defendem o status quo a qualquer preço. 
Alguns países, já a partir de 2003, outros antes, retiraram o flúor da água e passaram a adicioná-lo ao sal de cozinha, já que se consome menos sal do que água, o que reduziria o risco de ingestão excessiva do íon, cumulativo no corpo humano. Diante das evidências e para reparar a visão equivocada, baseada em pesquisas que só levavam em conta a prevenção de cáries, muitos países simplesmente não utilizam mais o uso sistêmico do flúor como preventivo de cáries; apostam na educação alimentar, higiene e no uso tópico, diretamente aplicado nos dentes. 
 No Canadá, Áustria, Finlândia, Bélgica, Noruega, França e Cuba, alguns dos países que pararam de fluoretar suas águas, os índices de cáries continuaram caindo. Estudos sobre a ingestão do flúor, que a partir da década de 1970 também foi adicionado a alimentos, leites em pós e a alguns medicamentos, apontam malefícios graves e cumulativos para a saúde em geral. Os danos começam pela fluorose, que pode ser leve, causando manchas esbranquiçadas nos dentes ou grave, quando a dentição permanente fica com manchas marrons ou chega a ser perdida, esfacelando os dentes. Para que isso ocorra basta que crianças de zero a seis anos sejam expostas à ingestão diária do íon. O resultado visível só aparece nos dentes permanentes, já a ingestão de flúor na gravidez compromete a primeira dentição da criança. 
O flúor no corpo 
Quando ingerido o flúor é rapidamente absorvido pela mucosa do estômago e do intestino delgado. Sabe-se que 50% dele é eliminado pelos rins e que a outra metade aloja-se junto ao cálcio dos tecidos conjuntivos. Dentes e ossos, ao longo do tempo, passam a ficar deformados, surgem doenças e rachaduras. 
A hipermineralização dos tecidos conectivos dos ossos, da pele e da parede das artérias é afetada, os tecidos perdem a flexibilidade, se tornam rígidos e quebradiços. Para que tudo isso ocorra, segundo estudo de 1977 da National Academy of Sciences, dos EUA, o corpo humano precisaria absorver durante 40 anos apenas 2 mg de flúor por dia. Parece difícil ingerir tanto, mas a fluorose já é um fato, uma doença moderna comprovada. 
Diversos estudos químicos atestam que o flúor é tão tóxico como o chumbo e, como este, cumulativo. Quanto mais velhos mais aumentamos a concentração de flúor nos nossos ossos, o que traz maiores riscos de rachaduras e doenças como a osteoporose (veja o primeiro link). A versão natural do flúor, encontrada na natureza, inclusive em águas minerais, peixes, chás e vegetais tem absorção de 25% pelo corpo humano, mas a fluoretação artificial é quase que totalmente absorvida. 
A maior parte se deposita nas partes sólidas do organismo, os ossos, e parte pequena vai para os dentes. Acredita-se que o fluoreto natural tenha algum papel importante para a saúde humana, mas isso ainda não foi completamente comprovado. 
No Brasil a adição de flúor à água começou em 1953 em Baixo Guandu (Espírito Santo), virou lei federal (6.050/74) e a campanha da fluoretação das águas, abraçada pela odontologia em parceria com sucessivos governos desde a década de 60, continua em alta e tem como meta atingir 100% da água brasileira encanada. Águas potáveis também recebem flúor e algumas águas minerais possuem mais flúor em sua composição do que é recomendado para evitar a fluorose, que é algo situado entre 0,5 ppm e 1 ppm, dependendo da temperatura ambiente, já que no verão ou em locais mais quentes se consome mais água. 
Os odontologistas que ainda defendem a adição do flúor na água potável e encanada afirmam ser a fluorose, que atingiu adolescentes nas últimas gerações com manchas brancas, um problema menor diante das evidências de redução das cáries, comprovadas por várias teses, elaboradas nos anos 1960 e 1970. Segundo eles, esse método é o mais eficaz para reduzir índices de cárie que variam entre 20% e 60%. Da década de 60 para cá, além da fluoretação das águas brasileiras, a população teve acesso maior às escovas de dentes, que tornaram-se mais baratas e populares. Na Suécia, por exemplo, onde não há fluoretação das águas, a cárie foi erradicada por meio da educação da população. 
O flúor nos dentes 
A redução de cáries por acesso ao flúor ocorre em decorrência de uma regulação do ph bucal, que teria maior constância via corrente sangüínea a partir da ingestão dessa substância. Após escovarmos os dentes com creme dental fluoretado, mantemos o ph ideal por cerca de duas horas. Apesar da campanha pró-ingestão de flúor, nenhum dentista defende a água fluoretada sem a dobradinha boa higiene e boa alimentação. 
Não há ph administrado pelo flúor que regule os detritos retidos entre os dentes; esses detritos desregulam o ph local, tornando-o mais ácido, o que favorece o surgimento de cáries e outras doenças periodontais. O açúcar torna o ph do sangue muito ácido e ao lado dele o outro grande vilão é o carboidrato, daí os odontologistas condenarem o abuso de doces, biscoitos e pães entre as refeições, especialmente os feitos com farinhas refinadas. 
Segundo Pedro Cordeiro, odontologista em Florianópolis, uma boa alimentação e uma escovação bem feita três vezes ao dia são métodos extremamente eficazes para a prevenção de cáries. "Recomendo aos pais que não usem creme dental fluoretado em crianças até cinco anos, pois é possível que engulam o creme acidentalmente ou voluntariamente, o que acarretaria a fluorose". Uso de fio dental, escovação com água e uma boa alimentação são suficientes para evitar o surgimento de cáries em qualquer idade, garante o dentista. 
Medidas seguras 
Na água potável encanada são recomendados no máximo 0,6 ppm de flúor, o que causa em crianças menores de sete anos uma fluorose mínima ao nascerem os dentes permanentes. "Acima de 1,5 ppm de flúor na água bebida por crianças menores de sete anos, a fluorose é mais agressiva e pode causar má aparência nos dentes permanentes, mas existe tratamento para essa fluorose nos consultórios dentários", garante o professor Jaime Cury, da Unicamp, defensor da adição de flúor à água. Em Cocalzinho, cidade de Santa Catarina, o flúor contido numa água natural, (1000 ppm) causou sérios danos aos dentes das crianças da região, com perdas parciais e totais dos dentes permanentes. 
Profissionais de várias partes do Brasil interessaram-se pelo caso, que foi documentado no final da década de 1980. Em 2004 a água mineral Charrua, do Rio Grande do Sul, apresentava 4ppm de flúor, o que pode resultar em fluorose avançada. O flúor está presente nos cremes dentais desde 1989, inclusive nos infantis, sendo hoje difícil encontrar no mercado convencional um creme dental para uso diário sem o íon. 
Normalmente os cremes dentais recebem de 1000 ppm a 1800 ppm de flúor. Não há pesquisa que ateste que o flúor aplicado, sem ingestão, cause qualquer mal, mas segundo vários estudos em odontopediatria, os problemas de fluorose verificados em todo o Brasil nos últimos anos estão relacionados ao uso de creme dental porque crianças pequenas, além de serem extremamente vulneráveis à ingestão do flúor, engolem acidentalmente ou voluntariamente o creme dental. Uma das razões da ingestão voluntária, em crianças maiores de três anos, se deve ao sabor doce dos géis dentais infantis. A fluorose aparente nos dentes de crianças e adolescentes é uma realidade no Brasil
Diferenças de miligramas são fatais 
O argumento que sustenta a adição de flúor à água potável encanada e às águas engarrafadas baseia-se na defesa do controle da cárie infantil. Mas em 1974, quando as águas brasileiras começaram a ser fluoretadas em massa, os cremes dentais não eram fluoretados e as informações sobre os hábitos de higiene e de alimentação iniciavam nas capitais e cidades maiores. Naquela época, o flúor ainda não era adicionado a medicamentos, chicletes, biscoitos e leites em pó para bebês, que quando somados ao flúor da água ultrapassam o nível recomendado para lactantes em até 80%. 
O leite humano possui cerca de 00,1ppm de flúor, uma quantidade já bastante inferior à dos leites em pó, mais isso depende, obviamente, da alimentação da mãe. Durante a década de 80, quando a fama do flúor como preventivo de cáries era inquestionável, muitas mulheres grávidas tiveram prescrição para tomar comprimidos que incluíam o íon na composição. Hoje já não se receitam suplementos de flúor para gestantes, pois as que tomaram enfrentaram problemas de fluorose na primeira dentição de seus filhos. Foi um teste "científico" que não deu certo, mas não foi o primeiro. 
Flúor e o nazismo 
As primeiras pesquisas com ingestão de flúor em humanos foram feitas em campos de concentração nazistas com o intuito de acalmar os prisioneiros, que ingeriam o íon a partir da água com até 1500 ppm de flúor. 
O resultado gerava uma espécie de apatetamento. Os prisioneiros cumpriam melhor suas tarefas sem questioná-las. Com o mesmo objetivo, o flúor é adicionado a alguns medicamentos psiquiátricos hoje em dia. Mais de 60 tranquilizantes largamente utilizados contêm flúor, como Diazepan, Valium e Rohypnol, da Roche, ligada à antiga I.G.Farben, indústria química que atuou a serviço da Alemanha nazista
Essa ligação histórica desperta brigas ferrenhas entre os adeptos da adição do flúor à água e os que são contra, esses últimos acusados pelos primeiros de fazer terrorismo e estabelecer o caos social em nome da nova ordem mundial, que está aí a questionar as bases que sustentam a economia. 
A Associação Brasileira de Odontologia recomenda a adição de flúor à água potável como método preventivo fundamental para o Brasil, país grande, de população pobre e desinformada sobre os hábitos de higiene e de alimentação. Segundo o professor Jaime Cury,que passou mais de 20 anos estudando a prevenção da cárie, o flúor adicionado à água tem uma importância social inquestionável. "Gostaria de ser o primeiro a anunciar que o flúor não precisa mais ser adicionado à água. Mas o povo brasileiro, a maior parte da população, a que é pobre e desinformada, não escova os dentes corretamente, não pode cuidar da alimentação e é beneficiada pela adição de flúor na água". 
Para ele, "a fluorose leve que não causa mal-estar social, nem deveria ser considerada um problema ou doença porque as crianças com fluorose leve, manchinhas brancas, têm dentes mais fortes". 
Questões políticas 
A ciência odontológica vê a fluorose média ou grave como problema principal em conseqüência da adição de flúor à água, mas médicos, químicos e toxicologistas afirmam que a fluorose é apenas o começo de um problema espalhado por todos os ossos do corpo, sobrecarregando a glândula pineal e acarretando outras conseqüências na saúde devido a alteração do funcionamento bioquímico. Eles alertam que as doenças podem demorar anos para surgir, pois o flúor é cumulativo. 
Nunca houve uma denúncia formal ligando o flúor à indústria de alumínio; as pesquisas feitas por químicos e neurologistas focam exclusivamente os danos do íon à saúde humana. Polêmica à parte, algo não está sendo levado em conta: é praticamente impossível encontrar água que não tenha sofrido adição de flúor. Por uma convenção entre sucessivos governos, a ciência odontológica e a indústria de alumínio, o brasileiro perdeu o direito de beber água sem o aditivo. 
Cláudia Rodrigues, jornalista, terapeuta reichiana, autora de Bebês de Mamães mais que Perfeitas, 2008. Centauro Editora. Publicado no Sul21. Blog da Cláudia: http://buenaleche-buenaleche.blogspot.com
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Fluoretos e saúde humana: um debate científico sempre necessário* Dr. Samuel Jorge Moysés - Doutor em "Epidemiology And Public Health - University of London" (1999); Professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Professor adjunto da Universidade Federal do Paraná; Consultor do Ministério da Saúde do Brasil em Vigilância à Saúde Bucal tamanho da letraA-A+Foto: Divulgação/CNPQSamuel Jorge Moysés, Professor da UFP; Consultor do Ministério da Saúde do Brasil em Vigilância à Saúde BucalSamuel Jorge Moysés, Professor da UFP; Consultor do Ministério da Saúde do Brasil em Vigilância à Saúde Bucal

Este texto tem por objetivo marcar uma posição em defesa do uso de flúor(etos), especialmente em sua forma de utilização coletiva por meio da água para consumo humano.

Aparentemente não há novidade em um texto desta natureza, considerando a volumosa produção na literatura mundial sobre o assunto. Para se ter uma idéia, só no repositório eletrônico da National Library of Medicine (Medline), uma busca genérica utilizando a expressão " water fluoridation" gera 6038 referências indexadas em fevereiro de 2008. Contudo, assumir a posição anunciada acima não é tarefa " risonha e franca" , como costuma acontecer com temas sobre os quais haja consenso solidamente firmado.

As formas mundialmente conhecidas de consumo de flúor(etos) com finalidade preventiva ou terapêutica, particularmente sua adição à água para abastecimento público (tendo em vista a prevenção da cárie dentária), seguem envolvidas em polêmica. Às vezes, a polêmica se dá no circuito acadêmico da investigação científica e se reveste de vistosos argumentos pró ou contra a fluoretação; mas, não raramente, também descamba para o âmbito político legislativo e/ou para a denúncia jornalística de duvidosa qualidade quanto ao rigor no tratamento da matéria.

O acontecimento descrito a seguir ajudará a entender, em nosso contexto brasileiro, a polêmica mundial que envolve a fluoretação de águas para consumo humano.

Em novembro de 2007, embarco no avião que me levará de São Paulo a Porto Alegre. A longa espera para embarque (vôos atrasados na conjuntura atual não constituem novidade) e os tediosos procedimentos iniciais de decolagem me levam automaticamente a buscar, no bolsão do banco a minha frente, a revista de bordo da companhia aérea. Sendo leitor compulsivo, mesmo quando faço leituras " recreativas" , tenho o hábito de buscar logo a peça de informação mais interessante. Localizo, na página 84 do sumário, o título da matéria " O doutor das águas" (LEVENSTEIN FILHO, 2007). O tédio de minutos atrás se converte em viva curiosidade. Verifico na página 84 (e também na 85, já que duas páginas são ocupadas com a foto do " doutor" ) a seguinte chamada: " O médico e pesquisador Dr. Arnoldo Velloso da Costa coleciona prêmios por seus trabalhos. Estudioso dos efeitos positivos do magnésio na saúde, ele é especialista no líquido mais precioso da atualidade, a água" .

Ótimo! Ainda não é o caso de me interessar no currículo Lattes do " doutor" , o que farei mais tarde no hotel. Por ora, apenas perscruto o teor da matéria. Verifico que nos idos de 1950 ele ganhou uma bolsa de pesquisa e foi para a Alemanha. Lá, conheceu Linus Pauling (ganhador do Nobel e entusiasta do uso de altas doses de vitamina C), além de trabalhar com Hans Eller, inventor do termo " stress" , e com Oscar Vogt que examinou os restos mortais de Vladimir Lênin. Em termos estritamente científicos, são referências biográficas ainda muito vagas, embora interessantes.

Então, aproximando mais a leitura do meu foco de interesse, vejo que o " doutor" atribuí ao magnésio presente na água efeitos benéficos para a saúde humana, incluindo menor incidência de doenças cardiovasculares e renais e aumento da quantidade de colágeno, " responsável pela constituição celular (...) bom para manter a pele jovem e saudável" [sic]. A partir da página 88, o tom da matéria torna-se mais animado: " Como médico posso dizer que a maioria dos profissionais da saúde não é pesquisadora. Eles não sabem de quase nada do que falo, não entendem os meus estudos. Por isso muita gente adora me difamar" .

Bem, agora estamos diante de declarações que merecem atenção. Parte da comunidade científica brasileira e mundial, na área da saúde, pode se sentir atingida com sua posição desafiadora. Seria este mais um caso de " doutores" (médicos) disputando corporativamente seu poder profissional e presumida superioridade científica diante da contraparte formada por outras tantas profissões de saúde (pejorativamente designadas por parte da medicina como profissionais de segunda classe, ou " paramédicos" )?

Sim, obviamente não há rigor científico na condução do texto, pois se trata de uma matéria jornalística em revista não indexada, mas por curiosidade vou verificar a circulação da revista. A tiragem é de 100.000 exemplares. Potencialmente, atinge um público diversificado e com relativa capacidade de consumo, capaz de constituir o que comumente chamamos de público " formador de opinião" .

O ponto nevrálgico da matéria, para mim, vem a seguir: " Entre as suas opiniões mais polêmicas está o resultado de seus estudos sobre o flúor, substância que é adicionada à água distribuída nas cidades brasileiras para combater as cáries dentárias" . O " doutor" continua: " Eu não concordo com a adição de flúor à água. Meus estudos comprovam que o flúor é uma substância nociva à saúde. Hoje em dia, menos de 3% dos países da Terra ainda fazem isso (...) Meu teste é simples: coloca o flúor no aquário e o peixe morre" [sic]. Para ele, o flúor pode estar ligado a doenças na tireóide, infertilidade masculina, problemas nos ossos e até disfunções cerebrais e aumento no risco de câncer. Poderíamos, então, acrescentar por nossa conta que o flúor também evitaria " peles jovens e saudáveis" , já que, segundo o " doutor" , atrapalha a absorção do magnésio! Além do que, faltou ao " doutor" esclarecer melhor o argumento de que " ... menos de 3% dos países da Terra ainda adicionam flúor à água" . Ele deveria buscar esclarecer, antes de avançar em estatísticas ambíguas, aspectos como: a) O real acesso da população mundial à água tratada e de qualidade, especialmente os mais pobres que constituem maioria e estão expostos aos maiores riscos de doença e morte; b) Como interesses mercantis têm progressivamente avançado sobre o controle da água potável do planeta, privatizando-a e tornando seu consumo uma " commodity" lucrativa e destinada aos que podem pagar por ela; c) Por que países avançados, que lideram a pesquisa mundial, continuam fluoretando suas águas? Por exemplo, recentemente o governo de Queensland, Austrália, decidiu introduzir fluoreto na água (AUSTRALIAN DENTAL ASSOCIATION (QUEENSLAND BRANCH), 2008); consideram que a ausência desta medida resultou em uma pior condição de saúde bucal dos moradores desta região, já que crianças de Queensland têm até o dobro de prevalência de cáries se comparadas às de regiões fluoretadas da Austrália. Outro exemplo é o recente relatório do Instituto de Saúde Pública do Quebec, Canadá, que afirma não haver razão para mudar sua posição favorável a fluoretação de águas, que deverá ser mantida para o período 2005-2012 (CANADA, INSTITUT NATIONAL DE SANTÉ PUBLIQUE DU QUÉBEC, 2007).

Fiquemos por aqui com o " doutor" (aliás, sobre o seu currículo oficial, procuro na Plataforma Lattes do CNPq e não o encontro... Provavelmente, o " doutor" integra uma geração que não precisa apresentar esta credencial de apresentação pessoal, tão usual na ciência brasileira contemporânea). De todo modo, é bom que saiba que sua opinião é só mais uma pequena peça no grande quebra-cabeças que envolve a polêmica mundial sobre flúor(etos) e saúde humana.

Minha viagem até Porto Alegre seguiu sem maiores sobressaltos, exceto, pela intensa atividade cerebral (a mente sim, em sobressalto). Fiquei pensando na recorrência persistente deste tema na mídia internacional, especialmente patrocinada pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América... Fiquei lembrando da campanha aguerrida que anti-fluoracionistas europeus estavam fazendo, em abril de 2004, na porta do edifício onde ocorreu o 10º Congresso Internacional de Saúde Pública, patrocinado pela Federação Mundial de Associações de Saúde Pública (WFPHA), em Brighton, Inglaterra; o panfleto que era distribuído pelos ativistas visava um público alvo de formadores de opinião no mundo inteiro... Pensei na história legislativa recente do Brasil, pois como não lembrar do Projeto de Lei do Senado nº 297/2005, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares; ou do Projeto de Lei nº 510/2003, do Deputado Carlos Souza, ambos contrários à fluoretação das águas?

Sim, lembrei também do livro " The fluoride deception" (BRYSON, 2004). Bryson é um repórter investigativo formado pela importante escola de jornalismo de Columbia (EUA), e também conhecido produtor de televisão. Já no hotel, abro o notebook para recuperar a resenha do livro em meus arquivos. Além do título, já bastante provocativo por ser auto-explicativo das intenções do autor, também o número de páginas (272) sugere um alentado trabalho de pesquisa, na melhor tradição do jornalismo científico sério (e não a baixaria das denúncias sem comprovação, do sensacionalismo grosseiro). Outro motivo para ir verificar seu conteúdo: " (...) a leitura, análise e avaliação crítica de dados e informações" , constituem a base da formação científica em que fui treinado, ao contrário do que poderia supor o " doutor das águas" . Este treinamento impõe uma espécie de " ceticismo profissional" como marca de formação, ou seja, faz lidar com as coisas das ciências como produtos de seres falíveis, sujeitos a erros e distorções. Portanto, qualquer teoria científica seria, primariamente, objeto de desconfiança e não de adoração. Isto nos obriga a assumir a seguinte perspectiva: " ninguém deve avaliar mais duramente uma idéia, uma teoria, um fato científico, do que seus próprios formuladores, que têm a obrigação de conhecer do modo mais profundo possível os riscos, os benefícios, as implicações éticas, o " bastidor" da produção científica que move interesses fabulosos" . Transformando nossas convicções mais entusiasmadas em alvo de autocrítica, somos os primeiros a verificar se tais convicções resistem ao teste do tempo! Ciência sem testes continuados de teorias, sem comprovações e evidências que resistam às mais duras provas torna-se opinião, religião, doxomania.

O teor do livro não é novo de fato, quase num tom blasé, poderíamos torcer o nariz e dizer: lá vem os anti-fluoracionistas de novo, com o velho cantochão! Mas, esta atitude é a pior possível, a mais arrogante, anticientífica (no fundo, covarde). Também não dá, simplesmente, para desqualificar o argumento alheio quando nos " desagrada" , sem buscar contrapor evidências qualificadas (vejo esta atitude com grande freqüência, infelizmente...). Toda vez que um assunto desperta debates apaixonados, ao longo de décadas, sem produzir o convencimento consensual dos lados em disputa, ele deve nos manter em atitude de desconfiança profissional e alerta científico. Para se ter uma idéia do clima atual de disputas, o parlamento inglês esteve debatendo a questão da fluoretação de águas para consumo público, ao longo de todo o primeiro semestre de 2004, fazendo o primeiro ministro afirmar que " não empurraria fluoretação goela abaixo da população" . Neste mesmo ano, em Manchester, foi realizado novo referendum e a fluoretação das águas, não só desta cidade, mas de outras quatro cidades circunvizinhas - Hooksett, Londonderry, Bedford e Goffstown deverá continuar. Na comemoração da vitória, de 10455 votos a favor e 6010 contra, não se pode esquecer que restam 37% de participantes do plebiscito não convencidos do acerto da medida.

Neste caso, do livro de Bryson, pareceu-me que não era preocupação do autor polemizar gratuitamente ou querer " ficar em evidência" . Ele não abordou o tema na perspectiva das revisões críticas sistemáticas/metanálises, nem tampouco estava buscando fazer alarde para chamar a atenção sobre si. Mas, realmente o livro não acrescenta qualquer nova evidência científica rigorosa contra a fluoretação. Proveitoso no livro, apenas a descrição dos bastidores do tempo da II Guerra Mundial, o Manhattan Project, e a revelação de como cientistas ligados ao complexo industrial-militar e trabalhadores de saúde pública buscaram esconder os potenciais riscos da poluição por flúor(etos), utilizados por tais indústrias, inclusive com os riscos legais que poderiam levá-las aos tribunais.

Contudo, penso que o que realmente me inquietou foi a constatação de que há, ainda, muita formulação meramente opinativa em nosso meio, que não resiste a um confronto mais rigoroso de idéias, particularmente na esfera da " ciência dura" quantitativa, positivista. Não basta contrapor argumentos ideológicos a esta ciência dura, já que o mundo em que vivemos, o mundo que nos avalia, é fascinado por esta ciência com suas estatísticas robustas e consistentes. Vejo, por exemplo, no reino da " Odontologia Baseada em Evidências" , que muitos artigos publicados são descartados (acabam não entrando na revisão sistemática), por insuficiências metodológicas várias, e não somente por não serem ensaios clínicos randomizados.

Por outro lado, fiquei lembrando da extensa obra do Jaime Cury (FOP/Unicamp) com seus colaboradores, num trabalho de fôlego, por décadas... Fiquei rememorando a beleza de livro " Flúor e saúde coletiva" (EMMERICH e FREIRE, 2003), comemorando os 50 anos de fluoretação da água no Brasil (teste de resistência no tempo).... Fiquei relendo a recomendação da Comissão de experts convocada pela Organização Mundial da Saúde, endossando mais uma vez a medida WHO, FDI, IADR, 2006). Minha inquietação passou, por ora.

A fluoretação de águas de abastecimento no Brasil, de fato, é uma prova de resistência no tempo, tratando-se de uma medida de saúde pública. Ela teve início em 1953, no município de Baixo Guandu (ES), como iniciativa do governo brasileiro, sob influência da Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública. Capitais como Curitiba, por exemplo, comemoram em 2008 os 50 anos de fluoretação de águas.

Em 1974 foi aprovada a Lei Federal nº 6050, regulamentada pelo Decreto nº 76872, de 22/12/75, que dispõe sobre a fluoretação de águas em todos os municípios brasileiros com estação de tratamento disponível (BUENDIA, 1996). A fluoretação das águas de abastecimento público apresenta um grande alcance populacional, promovendo uma efetiva redução na incidência de cárie em populações de diferentes níveis sócio-econômicos, atuando nos organismos dos indivíduos até mesmo quando estes desconhecem que estão sendo atingidos. A medida foi considerada uma das dez grandes conquistas da saúde pública no século XX (USA, 1999).

Estima-se que o custo per capita/ano da fluoretação no Brasil seja da ordem de R$ 1,00. Para alguns autores, é a melhor relação custo-beneficio dentre todas as atividades específicas da prática odontológica, já que manter um indivíduo beneficiado pela fluoretação da água ao longo de toda a sua vida custa o equivalente a uma única restauração dentária (FRIAS, NARVAI, ARAUJO et al., 2006). Tal estratégia preventiva poderia ser estendida a comunidades que não dispõem de fluoretação de águas como medida de promoção de saúde e prevenção da cárie dental, ou seja, aproximadamente 60% da população nacional, alcançando populações com maiores privações econômicas e altos índices de desigualdades sociais. Além do mais, a fluoretação de águas apresenta um enorme potencial de universalização, contribuindo para que as pessoas tenham outra medida correlata que é o acesso a água tratada, talvez a mais importante ação de saúde pública. Por isso, pode-se considerar socialmente injusta a situação de não realizá-la ou interrompê-la (KALAMATIANOS e NARVAI, 2006).

A eficácia da fluoretação de águas, sem que haja seu efeito tóxico colateral depende de um rigoroso heterocontrole da medida. Assim, o controle externo da fluoretação por instituições não envolvidas diretamente em sua operacionalização é condição básica para preservar a qualidade do processo, para que as informações tenham credibilidade e para que haja confiança no alcance dos objetivos de médio e longo prazos, uma vez que os resultados desse tipo de ação, pelas características do método, só podem ser avaliados após alguns anos de implementação da medida (MOYSÉS, MOYSÉS, ALLEGRETTI et al., 2002).

O Ministério da Saúde do Brasil entende que " o acesso à água tratada e fluoretada é fundamental para as condições de saúde da população" (BRASIL, COSAB, 2007). Neste sentido, as ações intersetoriais para ampliar a fluoretação das águas no Brasil constituem uma prioridade, sendo que até o mês de junho de 2005 foram implantados 121 novos sistemas de fluoretação da água de abastecimento público, abrangendo seis Estados e beneficiando cerca de 500 mil pessoas. Outros 430 projetos técnicos estão em análise, o que beneficiará cerca de 6 milhões de brasileiros. Este processo está sendo viabilizado através de ação conjunta com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e mediante convênios com as Secretarias Estaduais de Saúde.

A posição oficial, acima, deve ser defendida e sustentada por todos que tenham compromisso com a saúde bucal da população. A rigor, como última observação, o importante é manter a perspectiva de abertura para as evidências científicas rigorosas que o futuro nos reserva.

Referências:

AUSTRALIAN DENTAL ASSOCIATION (QUEENSLAND BRANCH). Premier Bligh bites the bullet on water fluoridation. Disponível em: http://www.fluoridationqld.com/news-anna-bligh-water-fluoridation.html. Acessado em 18/2/2008.

BRASIL, COORDENAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE BUCAL. Fluoretação. Disponível em:http://dtr2004.saude.gov.br/dab/cnsb/outras_acoes.php. Acessado em 15/11/2007.

BRYSON, C. The Fluoride Deception: Seven Stories Press. 2004. 272 p.

BUENDIA, O. C. Fluoretação de águas: manual de orientação prática. São Paulo: American Med Editora Ltda, PNUD. 1996. 138 p.

CANADA, INSTITUT NATIONAL DE SANTÉ PUBLIQUE DU QUÉBEC. Fluoration de l'eau: analyse des bénéfices et des risques pour la santé. Disponível em:http://www.inspq.qc.ca/pdf/publications/638-FluorationEau.pdf. Acessado em 10/8/2007.

EMMERICH, A. e FREIRE, A. D. S., Eds. Flúor e saúde coletiva. Vitória: EDUFES. 2003. 185 p.

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